sábado, 12 de setembro de 2009

A Química e a Emoção.

Tenho uma profunda pena quando vejo profissionais insinuarem que tudo na alma humana resume-se a questões químicas. Lamento muito que alguns profissionais defendam um ponto de vista tão parcial e equivocado, incompatível com a visão integradora que hoje buscamos na medicina e no entendimento do universo como um todo.

Durante muitos anos a psiquiatria pecou pelo deslumbramento excessivo com os efeitos e maravilhas que a correção de distúrbios químicos representava e forneceu a seus pacientes medicações e medicações. Esta abordagem de extremo entusiasmo pelos progressos da ciência farmacológica é compreensível: durante anos não existiam remédios eficazes mesmo para aqueles casos muito graves, a descoberta de novos fármacos foi revolucionária. Por outro lado, tamanho entusiasmo fez com que se esquecessem os aspectos subjetivos do indivíduo. A tendência passou a ser usar remédios e mais nada, pois tudo parecia se resumir à disfunções químicas do cérebro. Esta triste abordagem gerou muitas iatrogenias, aqueles atos que involuntariamente o médico pratica contra seu paciente.

Muitas vezes é por causa desta visão parcial do seu estado de dor psíquica que os pacientes relutam em aceitar tratamento psiquiátrico: tem medo de ser apenas medicados e não entendidos nas profundas dores de sua alma. Tem razão em temer, infelizmente ainda há muitos profissionais com esta visão. Eu mesma tive oportunidade de atender pacientes com dezoito até vinte anos de sofrimento mental e ouvir deles: "Dra é a primeira vez que alguém me escuta, antes só me davam remédios." E o paciente sabe das dores de seu coração, das sequelas que a vida lhe deixou, dos conflitos que habitam seu interior e que também estão em questões do mundo ao nosso redor. Eles sabem que há razões para sofrimento, não são tolos. O que ocorre é que algumas pessoas são mais sensíveis que outras e sofrem mais, percebem mais a própria dor e a alheia. E são justamente estes que adoecem. Porque aquele cuja alma é dura e incapaz de subjetividade, ocupa-se de coisas práticas e nada que diga respeito a sentimentos lhe interessa. Nestas pessoas tudo é reprimido em função da racionalidade e do auto controle. São as almas mais sensíveis que sofrem. Não é a toa que os grandes artistas e gênios da humanidade tiveram vidas conturbadas, interiormente eram povoados de conflitos e dores produzidos por sua sensibilidade excessiva.

Baseada na experiências que estes vinte anos como médica me trouxeram, digo que a psiquiatria é uma forma de encontrarmos e desenterrarmos tesouros, uma espécie de arqueologia da alma. Quando o médico tem disposição e sensibilidade para ouvir e compreender ele descobre os tesouros ocultos daqueles que vem a ele.
Eu não sou contra o uso de substâncias químicas na psiquiatria, ao contrário, elas representam um gigantesco avanço e oferecem alívio a uma infinidade de transtornos. São necessárias para a correção dos padrões alterados de produção de substâncias químicas que acabam causando mais sofrimento e perpetuando este círculo. Porém a medicação não pode substituir o entendimento das questões afetivas, do sofrimento do indivíduo frente ao mundo. Tenho usado ambas as abordagens ao longo do excercício da psiquiatria. A química faz uma parte, e a psicoterapia faz outra.

Já sabemos que as emoções e o estresse mantidos levam ao esgotamento dos neurotransmissores e à estados de ansiedade e depressão. Logo, não há como negar a estreita ligação entre a vida emocional e a química, a primeira afeta a segunda e vice-versa.
Há casos em que a questão é genética: nosso DNA contem marcadores que levam mais facilmente ao desequilíbrio neuroquímico, nestes casos o uso da medicação geralmente deve ser contínuo. Estes transtornos genéticos normalmente cursam com períodos de agudização em que os sintomas são mais intensos e doses maiores de medicamentos precisam ser usados, e períodos de acalmia em que se faz o que chamamos tratamento de manutenção. Nem nestes casos, contudo, podemos perder de vista o sujeito e seus sentimentos, sua necessidade de interagir positivamente com o mundo, de ser ouvido e acolhido em seu sofrer.
Futuramente talvez a medicina descubra meios de interferir nestes padrões genéticos, estamos avançando muito na manipulação de genes. Ainda que isto ocorra, e tomara que não demore, sempre haverá questões subjetivas a serem tratadas, pois o sentir e o interpretar o que sentimos são a característica especial da consciência, rica expressão de sensibilidade. Aquilo que enfim nos faz humanos.

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